Hoje, dia 20 de novembro, a gente comemora o Dia da Consciência Negra. Além de ser uma homenagem e reconhecimento da luta de Zumbi dos Palmares e seus companheiros no quilombo, a data é fundamental para evidenciar as desigualdades e violências contra a população negra.

Quando eu pensei em escrever sobre racismo e preconceito aqui na minha coluna, não me senti muito à vontade para falar. Por nunca ter passado por uma situação de preconceito, não me sinto legitima para isso.

Lá em casa, eu e o Paulo educamos nossos filhos levando em conta o princípio básico do amor e do respeito ao próximo. Claro que essa abordagem é fundamental para qualquer relação, mas não é tudo. Quando o assunto é racismo e preconceito, nós, mães brancas e de filhos brancos, precisamos avançar muitas casas.

Errar é humano, e, na criação dos nossos filhos, muitas vezes a gente tropeça, mas quanto mais assertivos nós formos, melhor para nós e para eles. Acredito que não existe um manual para mães brancas ensinarem seus filhos a não serem preconceituosos. A única maneira, ao meu ver, é respeitar, ter empatia e ouvir quem tem algo a dizer. Foi aí que pedi ajuda para a família Viegas Cunha. Liguei para a Nina Fola, mãe da Aretha e do Malyck, cantora, produtora cultural, socióloga e membra do Grupo de Estudos Afro-brasileiros, e disse: “Preciso da tua ajuda, Nina! Quero ouvir vocês. Topa escrever para o meu filho e para mim?”.

Nina transformou meu pedido numa oportunidade de reflexão em família. Agora, eu compartilho com vocês a carta que eles escreveram, atendendo gentilmente o meu pedido. Um depoimento duro, verdadeiro, com situações preconceituosas que eles passaram e que nós, brancos, precisamos ouvir e entrar nessa luta para exterminar de uma vez com todo e qualquer preconceito racial.

Da família Viegas Cunha para a família Silva Inchauspe

Oi Teteu, tudo bem? 

Eu sou a Nina, mãe da Aretha e do Malyck, de 15 e 11 anos, respectivamente. Recebi o pedido da tua mãe para escrever uma carta para ti. 

Sentamos aqui em casa, eu e meus filhos, e conversamos sobre situações explícitas de racismo. O primeiro a contar foi o Malyck. Ele disse que tinha um colega da escola que sempre ria, apontando para o seu cabelo. Como não sabia o que responder, nem como reagir, ele começou a usar bonés. Só que, em sala de aula, a professora pedia pra tirar o boné, e Malyck chorava. Depois, começou a brigar, até que a mamãe teve que ir à escola para conversar com todos. Resumindo: nunca ria da forma diferente de ser das pessoas. Meu filho também acha que muitas vezes não dizemos nada porque as pessoas não acreditam que certas coisas acontecem por racismo, e a gente reage de uma forma que parece agressiva, pois sente que acontece porque somos de pele escura, cabelo crespo ou lábios grandes. Mas. afinal, somos parecidos com nossos pais, e que mal há nisso?

á Aretha me contou uma história que aconteceu na escola. Uma colega perguntou para minha filha, que usa dreads no cabelo, se ela achava que mulheres brancas não deviam usar dreads. Ela disse que achava errado usar nossas coisas sem respeitar a nossa história, que as pessoas devem conhecer, e não se apropriar. Devem respeitar estas coisas na gente porque às vezes parece que somente neles é que é limpo, na moda ou bonito.

Então, Cris, eu, Nina, mãe, que também vivi e vivo meus momentos com colegas brancos e impregnados da consciência da branquitude, sugiro que apresentem aos seus filhos brancos o privilégio que se tem em ser branco: em não ser sempre percebido nos lugares, em nunca serem tachados como os provocadores das piores situações (tais como roubo, brigas ou violência de qualquer ordem), em ter poucos heróis, príncipes ou princesas no cinema como vocês, ou serem taxados de pessoas do mal por frequentarem lugares diferentes para se comunicar com o ser supremo (no nosso caso, somos do Batuque do Rio Grande do Sul) e nunca poder falar em sala de aula porque, certamente ou minimamente, os colegas irão rir.

Compreender, olhar como se olhasse para qualquer outra criança e estar aberto a descobrir como ela é, seria o que de melhor poderíamos ensinar aos nossos filhos. Mas, como adultos que somos, temos que antever, porque, como diz um ditado africano, precisamos de uma aldeia inteira para criar uma criança, e o racismo, como estrutura da nossa sociedade, forma crianças racistas desde a tenra idade. Se a aldeia em que os pais resolverem criar estas crianças estiver impregnada desta chaga social, não modificaremos muita coisa.

Precisamos olhar para os espaços e perguntar porquê aqui não há crianças negras. Precisamos perguntar porquê aqui não há professores negros e descobrir que não é porque o povo preto é pobre e deseducado (isso é coisa do passado): é porque há lugares insuportavelmente racistas e repletos de branquitude.

Obrigada Nina, Malyck e Aretha pelas palavras. Esse texto vai ficar guardado com todo carinho. Acredito na possibilidade de vivermos num mundo de igualdade de oportunidades e estamos juntos com vocês nesse enfrentamento.

Boa leitura

De forma explícita ou em ações veladas, o preconceito é enfrentado por crianças, jovem e adulto, mesmo depois do fim da escravidão e da legislação considerá-lo crime.

Uma mãe, inconformada com a falta de conteúdos para crianças e da necessidade de tratar o assunto com a filha, partiu para a ação. Especialista em Marketing e Responsabilidade Socioambiental, Aline Néglia escreveu o livro Infância sem Racismo, e lança hoje –  Dia da Consciência Negra.

Na escola, houve uma situação de racismo, e não encontrei material para falarmos sobre o assunto. Foi uma inquietação pessoal que motivou a publicação – completa Aline.

Com uma linguagem simples e didática e ilustrações de Paulinho Tcherniak, Infância sem Racismo apresenta para as crianças, noções de cidadania, combate ao preconceito e promoção da igualdade. A cada livro vendido, Aline realiza a doação de uma versão pocket para escolas municipais. A autora lembra que, por ser branca, ela não poderia fazer tudo sozinha, por isso, contou com a ajuda de duas ativistas e jornalistas negras.

Pérola

– Mãe, me dá um cachorro?
– Ué, porque você quer um cachorro?
– Porque jacaré não dá, né?
Heitor, cinco anos

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